Em 28 de Dezembro de 2009, dirigimos a Vossa Excelência um texto em que expúnhamos os principais pontos de vista da APR sobre o Cinema Português. (...) Porque a situação da actividade e dos profissionais do sector se tem vindo a agravar, consideramos inadiável que sejam tomadas medidas legislativas estruturais de fomento que definam com clareza novas linhas de orientação capazes de assegurar uma produção regular assente em critérios de inovação, qualidade e diversidade.
Não existe hoje em Portugal uma que articule os diversos sectores que o constituem (Produção, Distribuição, Exibição, Estabelecimentos técnicos). Nos anos 60, os realizadores do Cinema Novo cortaram radicalmente com as convenções narrativas (medíocres, a nosso ver) que os tinham antecedido e que justificavam a sua existência com o gosto do público. Antes desse movimento, colocara-se desde sempre num terreno de outra ambição Manoel de Oliveira, referência incontornável para essa geração. Preocupados em delinear caminhos desconhecidos que fossem capazes de abrir portas para o Portugal contemporâneo, ao tempo tão longe dos nossos cinemas, os realizadores não souberam pensar o campo nevrálgico da difusão (promoção, distribuição e exibição) ficando as suas obras, feitas com dinheiros públicos, nas mãos de comerciantes privados, funcionários de facto das grandes empresas norte-americanas e com um gosto formatado por elas.
Neste momento em que mais uma vez o alarme é geral, determinado por sucessivos cortes nos meios financeiros e na redução drástica do número de filmes dotados com subsídio à produção do ICA, entendemos que chegou o momento de o Ministério a que Vossa Excelência preside decidir, de forma clara e pública, se quer estabelecer bases salubres e estáveis para o cinema português, seus criadores e profissionais, ou se prefere resolver os “apertos” de liquidez de dois ou três produtores com boas ligações políticas e sacudir o resto - a maioria - para debaixo do tapete.
Há assuntos que gostaríamos de conhecer e que Vossa Excelência poderia mandar averiguar para seu e nosso benefício, a saber:
Tivemos sempre a maior reserva em relação ao FICA (Fundo de Investimento do Cinema e do Audiovisual), que nos pareceu, desde o início, ao serviço de negócios escuros. Porquê? Porque o seu funcionamento não tem a menor transparência, porque não são conhecidas as regras que o orientam, não são públicos nem conhecidos os critérios que presidem às escolhas feitas, ignoram-se as datas das reuniões, as suas actas, os membros presentes e as suas votações. Em suma, no FICA a opacidade é total. Acontece que boa parte dos meios financeiros disponíveis neste Fundo são dinheiros públicos e por isso a questão torna-se mais sensível e de inelutável esclarecimento.
Esperamos que Vossa Excelência se informe e possa vir a esclarecer todas estas dúvidas. E, já agora, como se diz que o princípio que guia os decisores do Fundo é o das receitas e do lucro das obras financiadas, gratos ficaríamos também - porque há dinheiros públicos envolvidos - que fosse publicada uma lista contendo todos os filmes e séries televisivas produzidas com indicação explícita, caso a caso, da relação investimento/benefício até à presente data.
É nossa convicção que o Estado (o Governo) fez um péssimo negócio com a criação do FICA. Poderia muito simplesmente ter seguido o exemplo de França, cuja legislação (ver aqui) obriga os canais de televisão a entregar ao CNC todos os anos 5,5% do seu volume de negócios do ano transacto na produção cinematográfica e audiovisual (para além das taxas sobre os bilhetes de cinema - 11%, mas TVA (IVA) a 5,5% -, sobre os DVDs, etc.) e devem ainda investir 12,5% do seu volume de negócios na produção. Em Espanha o sistema é semelhante ao de França ; as privadas dão 5% e a TV pública 6% para a produção independente (e têm de aplicar respectivamente 60% e 75% em cinema) e mesmo assim anunciaram um novo fundo.
Mas esta questão, assim como outras, é matéria para uma futura Lei de Cinema que urge.
Por fim, a questão do ICA. A Direcção deste Instituto tem solicitado, nos últimos anos, a colaboração da APR para a discussão dos regulamentos ou da sua revisão. Apesar dos esforços dos realizadores,os melhores conhecedores da actividade que é sua profissão e sua arte, que se mobilizaram e se organizaram de uma forma inédita, tudo foi em vão. Nenhuma sugestão nossa foi tida em conta e, aparentemente, a opinião dos realizadores apenas merece da Direcção do ICA desprezo e desconsideração.
Mais fica por dizer (...)
Deve Vossa Excelência entender esta missiva como um complemento ao documento que lhe enviámos em 28 de Dezembro que resumia, nessa data, as principais preocupações da APR e dos seus associados.
Com os mais respeitosos cumprimentos,
A Direcção da APR
Não existe hoje em Portugal uma que articule os diversos sectores que o constituem (Produção, Distribuição, Exibição, Estabelecimentos técnicos). Nos anos 60, os realizadores do Cinema Novo cortaram radicalmente com as convenções narrativas (medíocres, a nosso ver) que os tinham antecedido e que justificavam a sua existência com o gosto do público. Antes desse movimento, colocara-se desde sempre num terreno de outra ambição Manoel de Oliveira, referência incontornável para essa geração. Preocupados em delinear caminhos desconhecidos que fossem capazes de abrir portas para o Portugal contemporâneo, ao tempo tão longe dos nossos cinemas, os realizadores não souberam pensar o campo nevrálgico da difusão (promoção, distribuição e exibição) ficando as suas obras, feitas com dinheiros públicos, nas mãos de comerciantes privados, funcionários de facto das grandes empresas norte-americanas e com um gosto formatado por elas.
Neste momento em que mais uma vez o alarme é geral, determinado por sucessivos cortes nos meios financeiros e na redução drástica do número de filmes dotados com subsídio à produção do ICA, entendemos que chegou o momento de o Ministério a que Vossa Excelência preside decidir, de forma clara e pública, se quer estabelecer bases salubres e estáveis para o cinema português, seus criadores e profissionais, ou se prefere resolver os “apertos” de liquidez de dois ou três produtores com boas ligações políticas e sacudir o resto - a maioria - para debaixo do tapete.
Há assuntos que gostaríamos de conhecer e que Vossa Excelência poderia mandar averiguar para seu e nosso benefício, a saber:
Tivemos sempre a maior reserva em relação ao FICA (Fundo de Investimento do Cinema e do Audiovisual), que nos pareceu, desde o início, ao serviço de negócios escuros. Porquê? Porque o seu funcionamento não tem a menor transparência, porque não são conhecidas as regras que o orientam, não são públicos nem conhecidos os critérios que presidem às escolhas feitas, ignoram-se as datas das reuniões, as suas actas, os membros presentes e as suas votações. Em suma, no FICA a opacidade é total. Acontece que boa parte dos meios financeiros disponíveis neste Fundo são dinheiros públicos e por isso a questão torna-se mais sensível e de inelutável esclarecimento.
Esperamos que Vossa Excelência se informe e possa vir a esclarecer todas estas dúvidas. E, já agora, como se diz que o princípio que guia os decisores do Fundo é o das receitas e do lucro das obras financiadas, gratos ficaríamos também - porque há dinheiros públicos envolvidos - que fosse publicada uma lista contendo todos os filmes e séries televisivas produzidas com indicação explícita, caso a caso, da relação investimento/benefício até à presente data.
É nossa convicção que o Estado (o Governo) fez um péssimo negócio com a criação do FICA. Poderia muito simplesmente ter seguido o exemplo de França, cuja legislação (ver aqui) obriga os canais de televisão a entregar ao CNC todos os anos 5,5% do seu volume de negócios do ano transacto na produção cinematográfica e audiovisual (para além das taxas sobre os bilhetes de cinema - 11%, mas TVA (IVA) a 5,5% -, sobre os DVDs, etc.) e devem ainda investir 12,5% do seu volume de negócios na produção. Em Espanha o sistema é semelhante ao de França ; as privadas dão 5% e a TV pública 6% para a produção independente (e têm de aplicar respectivamente 60% e 75% em cinema) e mesmo assim anunciaram um novo fundo.
Mas esta questão, assim como outras, é matéria para uma futura Lei de Cinema que urge.
Por fim, a questão do ICA. A Direcção deste Instituto tem solicitado, nos últimos anos, a colaboração da APR para a discussão dos regulamentos ou da sua revisão. Apesar dos esforços dos realizadores,os melhores conhecedores da actividade que é sua profissão e sua arte, que se mobilizaram e se organizaram de uma forma inédita, tudo foi em vão. Nenhuma sugestão nossa foi tida em conta e, aparentemente, a opinião dos realizadores apenas merece da Direcção do ICA desprezo e desconsideração.
Mais fica por dizer (...)
Deve Vossa Excelência entender esta missiva como um complemento ao documento que lhe enviámos em 28 de Dezembro que resumia, nessa data, as principais preocupações da APR e dos seus associados.
Com os mais respeitosos cumprimentos,
A Direcção da APR