quinta-feira, 21 de junho de 2012

Em defesa da Proposta de Lei do Cinema

Em defesa da Proposta de Lei do Cinema

Os subscritores deste documento manifestam publicamente o seu apoio à proposta de Lei do Cinema n.o 69/XII, aprovada em Conselho de Ministros de 31 de Maio último e agendada pela Assembleia da República para discussão na generalidade no próximo dia 6 de Julho. Vêm também procurar contribuir para o esclarecimento público das incidências da sua aplicação. Neste sentido, propomos analisar os méritos da proposta de Lei e esclarecer e comentar as incidências específicas do modelo de financiamento que será instituído.


Genericamente,


1. A proposta de Lei do Cinema vem dar um contributo decisivo para tirar o sector do Cinema e Audiovisual da total paralisia em que há muito se encontra, conferir-lhe uma importância estratégica no quadro do desenvolvimento económico e social do país e reconhecer a sua importância como uma das actividades que melhor afirma nacional e internacionalmente a identidade cultural do País.


2. No caso do Cinema, a proposta reconhece explicitamente a necessidade de criar um quadro de incentivos e apoios à produção, co-produção, distribuição, exibição e internacionalização, assente num modelo de financiamento diversificado e reforçado que pode garantir a curto e médio prazo condições para a sustentabilidade das actividades cinematográficas.
3. No plano do audiovisual, consagra-se um quadro de apoios e incentivos que possibilita a criação de uma verdadeira produção independente;


4. A proposta de Lei reafirma a importância da conservação e acesso ao património cinematográfico e audiovisual Português e disponibiliza à Cinemateca parte dos meios que necessita para cumprir esta função.


5. A proposta de Lei define princípios gerais sobre os programas de apoio financeiro a conceder pelo Instituto do Cinema e Audiovisual, remetendo para posterior regulamentação os aspectos relacionados com o funcionamento, modalidades de apoio, critérios de selecção e avaliação de projectos, estabelecendo implicitamente o modelo de concursos públicos como a forma de atribuição dos financiamentos, o que merece a nossa concordância.


6. Estabelece ainda a proposta de Lei, e bem, uma norma transitória que possibilita a vigência do quadro regulamentar anterior enquanto o novo não entrar em vigor, o que significa em termos práticos a possibilidade de o ICA, IP abrir os programas de apoios à escrita, produção, co-produção, distribuição e exibição ainda durante o ano de 2012.


Especificamente


7. Na base da sustentabilidade das políticas públicas de fomento do sector, consagra-se um modelo de financiamento diversificado, assente em contribuições obrigatórias e em obrigações de investimento dos agentes que operam na cadeia de valor do cinema e audiovisual, aproximando-o dos modelos que os países membros da União Europeia aplicam;


8. Como contribuições obrigatórias mantém-se a já existente taxa de exibição de 4% (taxa a ser suportada pelos anunciantes de publicidade comercial nas diferentes “janelas” onde se processa a comunicação comercial audiovisual e não pelos operadores privados de televisão, como erradamente tem vindo a ser referido em público por estes) e cria-se nova taxa progressiva de 3,5 euros / ano até ao limite máximo de 5 euros / ano por cada subscrição de acesso a serviços de televisão (cabo, satélite, fibra óptica e IPTV);


9. Estas contribuições obrigatórias são receitas próprias do Instituto do Cinema e Audiovisual (no caso da taxa de exibição 0,8% são receita própria da Cinemateca) para fazer face aos seus custos fixos, aos compromissos internacionais (participação nos fundos de fomento a co-produções Europeias, Ibero- americanas e Luso-Brasileiras, respectivamente Eurimages, Ibermedia e protocolo Luso-Brasileiro de co- produção cinematográfica), aos programas de apoio à escrita, desenvolvimento, produção, distribuição, exibição e internacionalização de obras cinematográficas nacionais, aos programas de apoio ao audiovisual e multimédia (escrita, desenvolvimento, produção e distribuição) e aos programas de apoio à formação de públicos de cinema (apoio a festivais, redes alternativas de exibição e formação de públicos nas escolas);


10. Regista-se que no domínio das contribuições obrigatórias, o Governo reconhece a imperiosa necessidade de reforçar os meios financeiros ao dispor do ICA para cumprimento das suas competências legais.


11. Complementarmente, o modelo de financiamento consagra, ainda que de forma tímida, um conjunto de obrigações de investimento directo anual por parte dos operadores de televisão (0,75% das suas receitas líquidas totais com uma progressividade até ao limite máximo de 1,5% para os operadores privados de televisão e 8% das receitas anuais com a contribuição para o audiovisual do operador público de Televisão), por parte dos distribuidores cinematográficos (3% das suas receitas brutas com distribuição de cinema e 1% das receitas brutas dos distribuidores de videogramas) e por parte dos operadores de serviços de televisão a pedido (1% das suas receitas);


12. As obrigações de investimento mencionadas no ponto 11 (e não taxas, mas sim obrigações de investimento directo) têm a particularidade de permitir às entidades por elas abrangidas o poder de escolher os projectos objecto desses investimentos, apenas as “obrigando” a estreitar a sua relação com os produtores e criadores independentes;


13. No domínio do audiovisual, a consignação de 20% da receita do ICA para programas de apoio à escrita, desenvolvimento, produção e distribuição de obras audiovisuais de produção independente (artigo 12o da proposta de Lei), vai contribuir decisivamente para a criação de uma dinâmica de desenvolvimento deste sector específico e potenciar o melhor cumprimento das obrigações estabelecidas na Lei da Televisão (artigo 46o) de inclusão na programação audiovisual de produção independente Europeia por parte dos operadores de Televisão nas suas grelhas de programação;


14. Relativamente ao papel dos operadores de televisão consagrado nesta proposta de Lei, estranhamos a reacção desproporcionada de oposição pelos dois operadores privados de televisão (SIC e TVI), uma vez que tanto as contribuições obrigatórias previstas (manutenção da taxa de exibição de 4% paga pelos anunciantes e entregue ao estado pelas Televisões) como as obrigações de investimento (0,75% progressivos até ao limite máximo de 1,5%) irão, em última análise, beneficiar as suas grelhas de programação (no caso das contribuições obrigatórias com os programas de fomento do audiovisual; e no caso das obrigações de investimento o benefício será total);


15. Ainda a este propósito das obrigações de investimento, convém sublinhar que o alcance da Lei até é bastante tímido se comparado com o que estabelecem os quadros jurídicos de países como França, Alemanha, Bélgica, Suíça e Brasil (com alterações recentes que introduzem um sistema de quotas de produção independente para os operadores de Televisão por cabo), entre muitos outros, porquanto exigem aos operadores públicos e privados de Televisão enormes responsabilidades no incremento da produção independente de cinema e audiovisual.


16. Por último, a proposta de Lei estabelece uma obrigação de investimento aos exibidores cinematográficos - as salas – porquanto regula o antigo adicional de 7,5% do preço do bilhete de cinema (com os tempos transformado numa receita exclusiva das salas de cinema) definindo que 5% do valor do bilhete é receita exclusiva da sala e 2,5% serão alocados como quotas mínimas de exibição de obras cinematográficas Europeias e Portuguesas.
Consideram assim os subscritores deste texto que a proposta de Lei do Cinema reúne as condições mínimas necessárias para promover o fomento das actividades cinematográficas e audiovisuais, possibilitando uma oportunidade real para o crescimento deste sector, pelo que esperamos: 
1. a sua aprovação por parte dos deputados da Assembleia da República, independentemente de alguns ajustes que poderão ser introduzidos na discussão na especialidade, antes do início das férias parlamentares; 
2. subsequentemente, a promoção pela Secretaria de Estado da Cultura da discussão com o sector de todo o quadro regulamentar que esta Lei carece para ser aplicada em toda a sua plenitude.


Os subscritores

Os Realizadores Manoel de Oliveira, Alberto Seixas Santos, André Godinho, Anna Da Palma, António Escudeiro, António Loja Neves, Aya Koretzky, Bruno de Almeida, Carlos Braga, Catarina Alves Costa, Catarina Mourão, Cátia Salgueiro, Fátima Ribeiro, Fernando Vendrell, Gabriel Abrantes, Gonçalo Tocha, Ivo Ferreira, Jeanne Walz, João Botelho, João Mário Grilo, João Matos Silva, João Pedro Rodrigues, João Pinto Nogueira, João Rui Guerra da Mata, João Salaviza, João Viana, Jorge Cramez, Jorge Silva Melo, José Miguel Ribeiro, José Nascimento, José Pedro Cavalheiro (Zepe), José Sacramento, Júlio Alves, Leonor Areal, Luis Alvarães, Manuel Mozos, Margarida Cardoso, Margarida Gil, Margarida Leitão, Maria Estela Graça, Miguel Clara Vasconcelos, Miguel Fonseca, Miguel Gomes, Nuno Amorim, Pedro Caldas, Pedro Serrazina, Pierre- Marie Goulet, Renata Sancho, Raquel Freire, Rita Azevedo Gomes, Sandro Aguilar, Sérgio Tréfaut, Solveig Nordlund, Teresa Garcia, Teresa Villaverde, Vicente Alves do Ó, Virgílio Almeida.

Os Produtores, Alexandre Oliveira, João Figueiras, João Matos, Luís Urbano, Luís Galvão Teles, Rodrigo Areias, Joana Ferreira, Maria João Mayer, Pandora da Cunha Telles, Henrique Espírito Santo.

e Dario Oliveira, Luís Apolinário, Miguel Dias, Miguel Valverde, Nuno Rodrigues, Paulo Milhomens, Salette Ramalho e Vanessa Ventura.

Lisboa, 20 de Junho de 2012