domingo, 28 de março de 2010

Uma deriva perigosa, por Augusto M.Seabra

Uma deriva perigosa, por Augusto M.Seabra (excertos)
(texto completo aqui)

(...) A entrevista (de Gabriela Canavilhas, Ministra da Cultura) no Público de quarta-feira, centrando-se na economia do sector cultural, tendo como fundo o estudo de Augusto Mateus sobre o sector cultural e criativo em Portugal, tem algumas reafirmações importantes mas mostra também uma ministra obnubilada pelo discurso das perspectivas económicas, numa deriva perigosa. Ora, se o estudo é sem dúvida importante, também há que dizer que a vulgarização das ideias de Richard Florida sobre as “cidades criativas” se transformou num tópico do novo capitalismo da sociedade de informação e do conhecimento.
Sem dúvida que a cultura engloba as indústrias culturais, aliás de âmbito reduzido em Portugal (uma indústria da edição livreira flagelada pela sua própria sobreprodução, uma indústria discográfica em crise e uma indigente indústria de telenovelas sem perspectivas de exportação), mas já as agora tão na moda “indústrias criativas” são de um âmbito que em boa parte tem mais a ver com a estrita economia.
Gabriela Canavilhas reitera, o que se anota, que as actividades culturais sem vocação de mercado são “o cerne, o núcleo duro da actividade do MC”. Mas ao mesmo tempo, baixa os braços e prescinde de um reforço orçamental significativo, diz que “os fundos têm estado a crescer”, quando sobretudo têm estado estagnados ou mesmo em queda (vide o caso do cinema, com um decréscimo na última década de mais de 30 por cento, como recentemente alertava um importante Manifesto pelo cinema português), e, o que é mais grave, e tanto mais vindo de uma artista, retoma o nefasto discurso da “subsídio-dependência”.
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A ministra declara taxativa que “o Ministério da Cultura tem que ter a coragem de diminuir o número de apoios e apostar na qualidade”. Os termos da declaração são inquietantes se não se tomarem em conta a cobertura territorial, os primeiros projectos ou obras e aqueles que se apresentem como mais inovativos.
Reafirme-se pois o sublinhado no “núcleo duro”, mas da entrevista deduz-se um sentido de potenciar empresarialmente o sector que é uma deriva perigosa. Donde, a necessidade de uma chamada de atenção.
Augusto M.Seabra - Letra de Forma
(publicado no Público - 28.03.2010)