sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A APR rejeita com veemência a primeira proposta de regulamentação da nova lei do Cinema

RESPOSTA DA APR À PROPOSTA DE REGULAMENTAÇÂO DA LEI DO CINEMA

Após consulta aos associados entende a direcção da APR responder do modo seguinte:

Durante mais de um ano, em nome de uma nova Lei de Cinema para apoio e desenvolvimento à arte cinematográfica em Portugal, os cineastas portugueses sofreram um ano de produção zero, com um corte de 100% em 2012, contribuindo para a construção de uma legislação que apontava para a defesa do cinema português.  A Lei foi aprovada e está em vigor desde início de Outubro do corrente ano.

Inacreditavelmente somos agora confrontados com uma proposta de regulamentação que viola e perverte o espírito da Lei.

Ao contrário do que tinha sido acordado, estas 56 páginas de regulamentação, muitas delas confusas e outras que atentam à independência da arte cinematográfica portuguesa, foram elaboradas sem consulta nem discussão com os realizadores portugueses.

A própria Secção Especializada de Cinema e Audiovisual no Conselho Nacional de Cultura, como órgão máximo de decisão e onde a APR não está representada, viola o princípio da Lei, que prevê um apoio ao cinema de 80% e um apoio ao audiovisual de 20% dos financiamentos previstos. A constituição desta Secção inverte violentamente essa relação entre o cinema e o audiovisual. Igualmente grave é que as personalidades da referido Secção, demasiado numerosas e de interesses contraditórios para uma decisão coerente sobre o cinema, foram nomeadas pelo director do ICA e não eleitos pelas respectivas associações que nem sequer foram consultadas.

Se nós somos defensores da transparência e do rigor orçamental dos nosso projectos não podemos aceitar um controle burocrático e corporativo desmedido que condicione a criação artística. O cinema português sempre se pautou pela independência, inovação e criatividade.

A Secção Especializada não pode definir uma visão estratégica de investimento mas sim promover a igualdade justa e democrática de acesso aos apoio ao cinema. Quer isto dizer, que o acréscimo de receitas previsto na Lei deve sempre garantir o aumento do número de filmes e a sua diversidade. Dinheiros públicos devem ser sempre atribuídos em concursos públicos e em condições de igualdade. Também deve ser do conhecimento prévio de todos os concorrentes as regras que regulam os concursos. As verbas a atribuir devem ser igualitárias, da responsabilidade decisória de júris independentes, todos os anos renováveis, e cujas decisões se devem pautar pela transparência.

Por isso rejeitamos liminarmente a existência de um Conselho chamado de Peritos que emana directamente da Secção Especializada reproduzindo na forma e na substância uma ideia que favorece a manipulação e a corrupção.

A manifesta tentativa expressa nestes regulamentos de introduzir as reminiscências do FICA – que trouxe o maior número de fraudes e de corrupção no cinema português dos últimos tempos, e a que ainda não foi feita qualquer auditoria (a Secretaria de Estado da Cultura pediu-a e nós não desistimos de a exigir) – com programas de apoios plurianuais sem limites nem controlo, vem aumentar a nossa inquietação sobre a seriedade destes regulamentos.

Queremos de uma vez por todas, sabendo a situação trágica do país, que tudo seja claro.

Que seja claramente definida a percentagem de financiamento atribuída pelo ICA a cada um dos projectos aprovados. Por exemplo, nunca poderemos aceitar uma variação arbitrária (entre 50% e 80% do orçamento) de apoio a projectos, o que é mais uma medida passível de favorecimentos.

Também não está previsto nos regulamentos, o anúncio das receitas anuais para o apoio ao cinema nem o anúncio prévio das verbas atribuídas a cada um dos concursos previstos na Lei o que provoca a arbitrariedade contínua de quem tutela.

Assim também não está previsto nestes regulamentos o acesso directo do realizador a todos os concursos, o que atenta ao princípio fundamental da criação cinematográfica, a liberdade.

Nós, a Associação de Realizadores, não admitimos a classificação de autores "consagrados" e autores "não consagrados", previstos no ridículo e absurdo artigo 5º. A história tem demonstrado abundantemente que “a consagração” de hoje é o esquecimento de amanhã. A APR não aceita que a direcção de um organismo público decida quem são os "consagrados" (ou "não consagrados") porque todos somos iguais perante os concursos públicos.

Os critérios de selecção dos projectos a apoiar devem incidir maioritariamente na sua qualidade e consistência, no currículo do realizador e na afirmação da identidade do cinema português, e nunca em valorações de bilheteira, planos de promoção e contratos de pré-aquisição, etc. Há muito que defendemos uma relação directa custo/receita dos projectos e não uma valoração que só tem em conta os números da exibição ou transmissão televisiva.

Estas são as razões mais graves que nos levam a rejeitar com veemência esta proposta de regulamentação da nova Lei do Cinema. E como há mais de um ano o cinema português está paralisado exigimos de acordo com o artigo 27º, do Capítulo V, norma transitória número 1, que sejam imediatamente regularizados os concursos públicos anteriores já aprovados, e que se abram imediatamente os novos concursos de 2013 previstos na Lei.

Estaremos dispostos a participar na elaboração de uns novos regulamentos que sejam transparentes e que defendam o futuro do cinema português.

Fomos surpreendidos ontem com a nomeação de um novo Secretário de Estado da Cultura. Esperamos dele, acima de tudo, duas atitudes:

1. A defesa da autonomia financeira do cinema português tal como está inscrita na Lei.

2. Uma posição firme, que faça inflectir as propostas absurdas e ofensivas com que fomos confrontados neste projecto de regulamentos.

Lisboa, 26 de Outubro de 2012

A Direcção da APR - Associação Portuguesa de Realizadores