quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

Resistência! Personalidades de 43 paises em defesa do Cinema Português

Durante uma recente retrospectiva de cinema português em Bruxelas, onde foram projectados filmes de Antonio Reis, Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, Alberto Seixas Santos, João Botelho, Pedro Costa, entre outros. alguns participantes e cineastas presentes manifestaram a sua preocupação com a situação do cinema em Portugal, nomeadamente depois das notícias assustadoras relativas à situação do ICAM que apareceram na imprensa internacional.
A urgência pelo esclarecimento desta situação, fez com que fosse logo aí redigido um pequeno texto, que circulou durante esse ciclo de cinema e aí recolheu as suas primeiras assinaturas.
Foi esse texto, acompanhado dessas primeiras assinaturas, que logo a seguir começou a circular, e circula ainda, essencialmente, através do correio electrónico.
Este texto de "sensibilização" não tem portanto origem em nenhuma associação, organização, um ou mais produtores portugueses ou estrangeiros, permite fazer saber, que fora das fronteiras deste país, existem seres humanos que se interessam e gostam do cinema que se produz em Portugal, esse cinema "cosido à mão" que faz tanto pela felicidade de tantas pessoas por
esse mundo fora e que é orgulho de quem o faz e que devia ser orgulho do próprio país.

Texto:
Aquece o coração pensar que há um país na Europa onde ainda se fazem muitos filmes cosidos à mão. Filmes de pensar e de sentir, como os de Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, Abi Feijó, João César Monteiro, João Botelho, Pedro Costa… ou, antes, António Reis, e muitos outros cuja obra é por vezes menos conhecida mas não menos essencial para que o mundo das ideias e das emoções continue a girar.
Hoje, em Portugal, o dispositivo que permitia que esses filmes existissem corre o risco de desaparecer em favor de uma visão "puramente" mercantil do cinema. Fazemos questão de exprimir a nossa tristeza e a nossa revolta face a essa perspectiva
INFORMAÇÃO
Em Portugal, há meses que se está a elaborar uma lei do cinema cujo conteúdo só se adivinha pelos rumores, ideias gerais difundidos pelos responsáveis políticos, e cuja orientação apenas se pode deduzir com base no contexto actual subjacente à política cultural portuguesa.
Um dos problemas actuais é saber algo sobre o novo "dispositivo"; um dos principais motivos de preocupação é o "segredo" que rodeia a sua elaboração e o seu conteúdo
Contudo, havia sido prometido que o projecto de lei seria disponibilizado a todos os profissionais para que estes pudessem apresentar os seus comentários e sugestões sobre o texto. Até hoje, nenhum projecto de texto foi disponibilizado sendo que a nova lei deverá ser apresentada ao Parlamento daqui a dois meses!
Neste momento circulam os rumores mais "estranhos" e inquietantes. Os mais persistentes são: o fim dos apoios financeiros aos projectos individuais e a atribuição de "pacotes", sob a forma de contratos-programa estabelecidos com as produtoras, a supressão dos apoios específicos a primeiras e segundas obras, a diminuição progressiva do número de longas metragens produzidas com vista a favorecer as produções com orçamentos mais elevados, susceptíveis de competir com os filmes estrangeiros (?!)
O modo como foram organizadas as últimas atribuições de subsídios previstos para 2002, deixa antever o pior. O concurso para o apoio selectivo à produção de longas metragens onde estava oficialmente regulamentado o apoio a três filmes, foi aberto há uns dias, prevendo a atribuição de apoio a apenas a um filme.
O concurso previsto para as primeiras e segundas obras, também este oficialmente anunciado no início do ano, e também objecto de dotação orçamental, foi, pura e simplesmente, suprimido. Com a agravante de que no regulamento do concurso de apoio selectivo à produção de longas metragens, acima mencionado, se proíbe a apresentação de uma primeira ou segunda obra.
Quanto ao documentário, se é que o concurso previsto foi realmente aberto, ninguém tem a mínima ideia sobre as orientações da nova lei nesta matéria. E isto, numa altura em que, em Portugal, a necessidade de um apoio ao documentário de criação, que tanto demorou a ser aceite, começava, talvez, a dar alguns frutos.
De notar também que, em Janeiro de 2003, toda e qualquer perspectiva de produção se tornou inviável, já que não se poderá lançar qualquer novo concurso ou apoio antes da nova lei ser votada e promulgada.
Este projecto de lei surge em simultâneo com a reformulação total da estrutura da televisão pública. Depois de anunciada a supressão do segundo canal da RTP (aliás, praticamente o único que divulga o cinema português, longas metragens, curtas metragens e documentários, ou seja, cinema como o de Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, João César Monteiro, João Botelho, Pedro Costa, etc...mas também cineastas estrangeiros desde Kaurismaki a Godard, passando por Kiarostami...), o governo fala agora em entregá-lo à "sociedade civil" (?!) sem que ninguém saiba o que tal significa.
Paralelamente, o cinema português foi violentamente abalado, durante 2002, por uma série de "crises". O ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia), organismo que gere, especialmente, os subsídios que permitem a existência do cinema português, entrou numa crise financeira resultante do não pagamento, por parte das cadeias de televisão - tanto privadas como públicas - da taxa de publicidade que financia o ICAM e que as empresas de televisão têm por missão cobrar em seu nome. A falta de pagamento - ilegal - dessa taxa durou meses, fazendo com que o ICAM não pudesse honrar os seus compromissos contratuais tanto para com os produtores como para com os distribuidores e realizadores que haviam recebido apoios à preparação de projectos. Em suma, os apoios financeiros concedidos por concurso e por júri e contratualizados, foram atrasados.
O texto de sensibilização que, actualmente, circula tem como objectivo solidarizarmo-nos com a inquietação dos cineastas portugueses, apoiá-los e demonstrar que, fora das fronteiras de Portugal, há pessoas que se interessam e gostam do cinema que se faz em Portugal, "esse cinema a que é preciso pôr cobro já que os portugueses não o querem ver", como disse um responsável político.

Ultima noticia; 17.01.2003
O anteprojecto de lei do Governo para o Cinema, Audiovisual e Multimédia está concluído e deverá ser apresentado ao sector em Fevereiro, disse à Lusa o secretário de Estado da Cultura, José Amaral Lopes. O resultado do trabalho da comissão que elaborou o documento, liderada por Salvato Telles de Menezes e Anabela Afonso, será agora apreciado pelos ministros da Cultura, Pedro Roseta, e da Presidência, Nuno Morais Sarmento, podendo ser feitos «ajustes de pormenor».
DN -17/1/2003